quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Feminina

Quando a brisa que precede o beijo,
qual bailarina envolta em segredos,
dança ao de leve e cala arremedos
próprios de quem na alma tem desejo

aparece do nada como um sinal
a profetizar o ósculo certo
de duas bocas em estado terminal
doentes por não estarem mais perto

Ah! Essa brisa que as fadas outonais
oferecem às mulheres, como madrigais,
na noite fria pelos campos gelados

desperta a mente de desejo toldada,
lembrando uma súplica à noite entoada
com os sentidos abertos e os olhos fechados.

Coimbra, 10/09/2005

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O mal

O mal que me aflige e devora
é tratar o papel e a pena por "tu":
o papel faz-me sentir nu por fora
e a pena, por dentro, faz-me sentir nu

Não ouso dizer aquilo que adivinho;
as palavras mais belas, essas, guardei-as
num antigo e infindável pergaminho
escrito com a tinta que corre nas veias.

Mas sinto tristeza por não ter o porte
para ser homem mais uno, mais alto, mais forte,
para dizer ao mundo num brado intenso

que a minha pena, brava, ninguém cala,
e que escrevo no papel como quem fala
ao invés de falar tudo aquilo que penso.

Coimbra, 26/12/2005

Paradoxo

Amar mas não ser amado
ser amada mas não amar
vi isto em qualquer lado
num qualquer outro lugar

Não querer o que se tem
querer o que não se pode ter
nada disto parece bem
mas é vulgar acontecer

O paradoxo, então, é este:
é tudo uma contradição
quando o cérebro está a leste
ou quando pensa o coração.

Coimbra, 27/11/2005

Obliteração

Não te pedi o mundo em troca
quando os meus lábios, em tom carnal,
trocaram segredos com a tua boca...
...não importa... deixa, não faz mal.

Porque nem o dia a noite invoca,
nem o doce conjura o sal;
assim somos nós: uma ideia louca
onde não existe nós, mas "cada qual".

E nesses instantes em que me atormento,
em que fica turvo o pensamento,
em que toda a esperança se vai

a minha alma fica um poço exaurido
que de tanto dele terem extraído
nada, mas mais nada sai.

Coimbra, 15/02/2006

Encontro na urbe e no seu imo imerso
em sombras, frio, sujidade e pó
o eu interior, que como pó disperso
se dispersa entre a vasta turba, só.

Só entre mares de gente sem rumo,
cordeiros que não pressentem o alerta
de viver à deriva, ao acaso, como fumo
de forma indistinta, vaga e incerta.

Queria ser o homem (no meio de ninguém)
que um dia, cansado, quis ser alguém
entre tantos casulos desprovidos de almas

Homem cujos olhos pudessem brilhar
quando fixos na visão singular
de homens como ele batendo-lhe palmas.

Coimbra, 27/11/2006

Neve

Neve nas ruas, noite fraternal
divina brancura que se pode ver
unem-se famílias na ceia de Natal
(e há pobres na rua sem nada que comer)

Os mais pequenos vibram com esperanças
de ver o trenó e as renas na lua
(essa mesma que se esquece das crianças
que morrem de frio e de fome na rua)

E a neve não pára! A cada segundo
tinge de branco cada canto do mundo,
neve alvíssima que tudo cobre:

aldeias, vilas, cidades, nações...
...olhos, ouvidos, bocas, corações...
... neva no mundo! (e que mundo tão pobre...!)

Lisboa, 13/09/2008

Arbórea

Como é que só eu posso imaginar
um reino erguido acima dos galhos
(vasto até onde a vista pode alcançar)
de cedros, abetos, pinheiros e carvalhos?

E quem, senão eu, para nele habitar?
Saciar a fome com folhas e bogalhos,
dormir no seu ventre, e ao despertar
deliciar-me com os seus frescos orvalhos

Deixaria para trás as povoações,
renegaria o mundo e as suas nações,
trocaria as cidades pelas giestas...

...quando as árvores fossem minhas imperatrizes
e o meu corpo se tornasse em raízes
e o meu sangue seivasse pelas florestas...

Coimbra, 23/01/2006

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Dialecto

Não sei escrever o que sinto;
não há palavras ou tradução
que exprimam de modo sucinto
o linguajar do coração

Não tenho coragem nem talento
nem verve própria para dizer
o que sinto em todo o portento
do vazio categórico do meu ser

Se o que sinto, então, não pode ser escrito,
e isso me priva de ser erudito...
VIVA A IGNORÂNCIA EM TODO O SEU ESPLENDOR!

Viva o homem que compila, num grito,
todo o desejo que tem de infinito
no infinito desejo de escrever "Amor".

Coimbra, 05/12/2005

Melopeia

Versos meus mais não são que ruído,
ginetes caídos sem espada ou corcel
que vagueiam no ar, de ouvido em ouvido,
encontrando exílio na palidez do papel.

Cantatas fúnebres! Não passam de gritos:
são ais de dor e suplícios esquivos
que ecoam em linhas pespontadas de escritos,
tingidas por mares de tinta aflitivos.

Versos são lamentos vindos de alguém,
(cada quadra é um brado vazio e doente)
que gritam a sós por não haver ninguém
que escreva a gritar tudo aquilo que sente.

Coimbra, 21/12/2005

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Iniciação

Por sugestão de um perfeito desconhecido, através de e-mail, crio este espaço pessoal para poder publicar tudo o que escrevo. Parece contraditória, a frase anterior: desconhecido, e-mail e pessoal. Vejamos, já é estranho um desconhecido sugerir-me algo, quanto mais através de e-mail, o que não é nada de pessoal. Como disse ao desconhecido, gosto de escrever antiquadamente, rasgando folhas, riscando escritos menos bons e de virar as folhas dos cadernos onde escrevo, logo nem me passou pela cabeça criar um blog. É fashion demais, muito pseudo-intelectual e, pior, não consigo encontrar algo que me "agarre" olhando para um ecrã, ao contrário de um livro, ou caderno. Acho que a necessidade de publicar algo foi mais forte. Pensei, obviamente, numa edição de autor (daí o título do blog) o mais barata possível de forma a poder distribuí-la gratuitamente (algo ainda não descartado, mas em fase de maturação), mas custos são custos, e pelo menos para já não posso pensar em tal coisa... e, verdade seja dita, quero antes de mais saber se os meus poemas têm qualidade suficiente para sequer pensar em publicá-los. Para mim, são todos maus. Para vocês, serão ou não. De qualquer forma, bem-vindos.