segunda-feira, 18 de maio de 2009

Quero

Quero sentir as contradições do mundo
Atingir um pico de total consciência
E adquirir a perfeita omnisciência
Num estado de transe imenso e profundo

Quero ser irmão dos bandos alados
Ser Ícaro audaz e tecelão de sonhos
Luz que dissipa os dias enfadonhos
Dançarino celeste aos astros confinado

Quero mais vida, mais cor, mais raciocínio,
Mais visão e mais risco e mais, mais, mais...
Mais brio de mulher neste corpo masculino
Ou mais fé, que neste templo entrou jamais

Sei o que quero, mas poderei obtê-lo?
Certamente! Querer é poder, sim!
A vontade não é mais que um novelo
Que se desfia até atingir o seu fim.

Loucura

Só peco por não ser louco
E se sou tomado pela incerteza
De almejar tanto e tão pouco
Apenas encontro nisso grandeza

Ser chamado de louco não é,
Para mim, vergonha alguma
Quando remo contra a maré
De sanidade, que se vislumbra

Incoerente na sua natureza
Não será então a loucura
A mais alta forma de pureza
Que a sanidade depura?

Opiniões (e as que eu já ouvi...!!!)
Ontem e hoje, será sempre assim:
A minha loucura é loucura para ti;
A tua sanidade? Loucura para mim!

A Coroa

Uso uma coroa ornamentada
De boa vontade, alento e esperança
Mas que pode tornar-se tão pesada
Como a notícia da morte d'uma criança

Vivo a vida, assim, e mais nada
Sempre na sombra da perseverança
E a alma, em tempos imaculada,
perdeu-se num vórtice de ignorância

Fui rei do reino de nenhures
Juiz e júri, houvesse algures
Sítio onde eu pudesse ter sido eu

Usei em tempos uma coroa ornamentada
à qual abdiquei (era tão pesada...!)
E a criança, então, morreu.

Pedigree

Vivo num mundo desinstruído
Onde o que importa é bem-parecer
Mas se este for desconstruído
Pouco ou nada terei para ver

Assim como o dono, bem-nascido,
(algo que ainda não consigo entender)
Um animal é igualmente preferido
Na farsa que é esta vida de não-ser

Pedigree é isso: um boneco, um adereço
que se adquire por determinado preço
Útil por vezes, mas por vezes mono

Pobres bichos, que desprovidos de vaidade
Não têm a mais pequena responsabilidade
De terem um semelhante por dono.

Teorema

Hoje escrevi-te um poema
E sorri
Começava como um teorema:
"Se ainda te amo, não te resisto,
Logo quero-te!". Posto isto
Tentei aproximar-me de ti

Dei-lhe a forma de uma flor
E gostei
Dei-lhe pétalas, aroma e cor
Adubei-o, dei-lhe água e calor
Fi-lo florir com ternura e amor
E depois de acabado to entreguei

Quando lhe pegaste deu rebentos
E aí percebi
Que o melhor da vida são os momentos
Em que fertilizamos o coração
Em que, sem amar, se cria comunhão
E o poema concluí.
Vejo-os passar a toda a hora
De olhos postos em tudo o que reluz
Passam, passam... ornados por fora
Mas por dentro irremediavelmente nus

Ser e parecer, diferença esmagadora
Se ser é mundano, parecer seduz;
São o que são (ideia aterradora)
Brilham nas ruas (mas não lhes vejo a luz)

Passam por mim finamente vestidos
Com os mesmos gestos, gastos, repetidos
Vêm e vão, e a vida continua

É na introspecção que nos descobrimos
Dispamos os disfarces com que nos cobrimos
Que a nossa essência, esta, está nua.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Ir

Olhos que fitam o céu
azul celeste, no horizonte
aves, aves formando o véu
que cobre ao crepúsculo a fronte

Entardeceres da nossa vida
nós, navegantes das procelas
viajando pela noite esquecida
a cada viagem abrindo janelas

Viajar, nada mais que viajar
e fazer da vida o esquadrinhar
de espaços nunca descobertos

Deixar para trás o que temos
demandar da vida o que queremos
e tomar os sonhos como certos.